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Conjugando o verbo Amar Sem Nexo

Ele a beijou. De repente uma força imensa nasce nela. “Eu amo esse homem! Uau!”
Anos depois, depois de centenas de tentativas de encontro, ela concluiu que o amava, mas ele não. Para ele tinha sido um desejo. Só.
O verbo é uma mera conjugação. Mas conjugar o verbo amar na vida é de lascar. Demora muito para captar a sua prática. Amar alguém não quer dizer que esse alguém nos ame de volta. Parece ridículo, mas não estamos espertamente atentos. E a chance do outro ser, o ser amado, não ter percebido é alta.

O inverso, em outra situação, também pode ser verdadeiro. Se ele ou ela chegarem a amar você, não é sistêmico que você ame. Eu amo todos eles mas se eles não me amarem não quer dizer que eu perceba de verdade talvez nem um centésimo desse não amor.

Por mais que alguém me ame, honestamente, eu não posso fazer nada. Eu não tenho esse piloto automático – amar quando quero.

Nem desamar… Ele cometeu tantos desamores comigo que eu me esforcei para parar de amá-lo. E não consegui. Embora AMAR se conjugue no imperativo, por forca da gramática, na prática essa é uma conjugação totalmente inútil e falsa na vida. Talvez plástica, como diria algum artista.
AME! … NÃO AME! …. Não há a menor chance de obedecer. Talvez se consiga chegar a uma espécie de sorriso amarelo, “que pessoa simpática”.
Mas o pior é quando chegamos às expressões inúteis: “Me ame!” ou “Eu juro que vou te amar”.

A culpa de tanto desencontro não tem nada a ver com o piloto automático da gramática. Tem a ver com o desejo, com a riquíssima e potente cegueira de quem ama, de quem desfrua internamente dessa imensa força ativa. Dizer isso parece bobo. É claro que eu sei que ninguém sonha que, por amar alguém, esse alguém vai nos amar.
Será?

Mas saber é algo racional. Só. Eu amo aquele ser mas se ele não me amar não há nada que eu possa fazer. Ou seja, o problema é a nossa eterna tentativa de ignorância do seu modo e ação reflexivos. E do inexorável tempo da ação de amar. Presente, passado, mas talvez, especialmente, também algo sem futuro.

Virginia Murano, jornalista (Veja, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil; Expresso e Pagina UM -Lisboa), correspondente em Roma para rádio Capital e revista Manchete; locutora RAI, Roma.