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34 anos de atraso

Leia a crônica da arquiteta Silvana Cambiaghi, que passou dificuldades para circular pela cidade desde a escola.

Foi no início dos anos 80 que eu, uma estudante em cadeira de rodas devido a uma sequela de poliomielite, a famosa paralisia infantil, passei por muitas dificuldades para encontrar a única faculdade de arquitetura que conseguiria frequentar em São Paulo e imediações.

Havia na época cursos na: Universidade Mackenzie, porém inacessível, lotado de escadas; Belas Artes, que ficava no prédio onde atualmente funciona a Pinacoteca do Estado, mas sem as reformas hoje existentes, ou seja, sem acessibilidade; FAUUSP, que com meu conhecimento da época não me permitiu para ingressar…. Meu pai agradeceu, pois a distância era impraticável para ele ir me levar e buscar; e a Farias Brito, uma Faculdade naturalmente acessível, em Guarulhos. Fazia parte desta turma de 82 o colega Valério, que também teve pólio e usava aparelhos nas pernas e muletas.

Um novo prédio começou a ser erguido e quando estávamos no terceiro ano da Faculdade, descobrimos que os famosos arquitetos que projetaram aquele novo edifício para o ensino de arquitetura tinham nos esquecido! Eu na época era bonitinha, magrinha, consegui ser carregada por dois anos pelos meus próprios colegas de turma com cadeira e tudo. Devo a eles meu diploma, pois não permitiram que eu parasse de estudar, e o Valério? Um moço grande e muito mais pesado, os colegas não conseguiram ajudar e nunca mais ouvimos falar dele.

Por que estou contando tudo isso a vocês, hoje? Porque o agora MEC cobra acessibilidade nos cursos universitários e muitos estão se adequando, também aqui em Pinheiros. Infelizmente com 34 anos de atraso para o Valério, e quantos “Valérios” não conseguiram estudar?

Silvana Cambiaghi
Arquiteta, mestre pela FAUUSP, autora do Livro Desenho Universal: Métodos e Técnicas para arquitetos e Urbanistas – Editora SENACSP.