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Muita burocracia e pouca sintonia

A cidade cresceu, o ritmo de vida das pessoas mudou e a estrutura de transporte público ficou anos luz atrás das necessidades do paulistano, de acordo com especialistas no tema.

O paulistano que pega ônibus, metrô ou trem da CPTM todo santo dia para ir trabalhar já incluiu há muito tempo em sua rotina uma dose extra de paciência – e um arsenal de desculpas para dar ao chefe quando chega atrasado – por conta dos insolúveis problemas no transporte coletivo. Ele sai de casa, gruda o fone de ouvido na orelha e sabe que vai enfrentar superlotação, demora do ônibus para chegar no ponto, problemas técnicos nos trens…

De acordo com especialistas na área de transporte público que participaram, no último dia 29, de um debate sobre o tema na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) – distrital Pinheiros, o que os cidadãos sentem na pele diariamente ao se deslocar usando ônibus, trem ou metrô é fruto de projetos falhos, falta de diálogo entre os níveis de governo e escassez de dinheiro para investir.

“O transporte, de certa forma, é um elemento de ordenamento do uso e ocupação do solo. Ele induz que essa ocupação”, explica Josef Barat, coordenador do Núcleo de Estudos Urbanos (NEU) do Conselho de Política Urbana da ACSP. Para ele, é fundamental que se encontre formas de recuperação da “capacidade do transporte de ser um indutor de desenvolvimento”. “Essa, porém, é uma questão de difícil abordagem, pois as políticas de transporte público necessitam de grandes investimentos e entendimento entre municípios, estados e União – o que muitas vezes não acontece”, explica ele. Barat dá o exemplo do Bilhete Único paulistano, que demorou muito para ser colocado em prática justamente em decorrência da espera entre um acordo da prefeitura com o governo estadual.

Para Nelson Ibrahim, ex-presidente da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET, a solução é atrair a iniciativa privada para a área de transporte, como é o caso da Linha-4 do metrô, administrada por um consórcio particular e considerada a melhor linha do sistema. “Já são 40 anos que estamos nessa ladainha de fazer metrô. Não tem dinheiro para fazer metrô. Agora que estamos desse jeito, não vai sair metrô nunca mais”, provoca Ibrahim.

Já a arquiteta e professora da USP Regina Meyer acredita que a solução para o transporte na cidade passa obrigatoriamente pela conjugação eficiente e articulada entre ônibus e metrô, os dois principais sistemas de transporte público em São Paulo. “Esse modelo da cidade industrial foi se desfazendo e, hoje, essa cidade de serviços tem uma exigência de transporte que não é mais a do bate e volta, do ponto A para o ponto B. Hoje as pessoas circulam, elas vão a muitos endereços. A pendularidade não é mais uma característica essencial do funcionamento de São Paulo”, explica.

Ex-secretário de habitação da cidade de São Paulo e ex-presidente da Cohab-SP, Ricardo Pereira Leite segue o mesmo raciocínio e observa que empreendimentos imobiliários mais próximos de estações do metrô vendem mais – e de forma mais rápida. “É muito mais fácil vender quando o empreendimento está perto do que quando está longe”, diz Leite, apontando as estações como centralidades de desenvolvimento da cidade.
Há, porém, quem relativize o impacto do metrô na São Paulo atual. O engenheiro Cyro de Laurenza, que já foi presidente da antiga Ferrovia Paulista (Fepasa), enfatiza que o metrô foi um bom meio transporte. A razão de não o ser mais – que também se aplica à mobilidade urbana como um todo – é o fato de a cidade ter muita gente e maus planejadores. “Nós não sabemos planejar. Isso é claro. Essa é uma das razões. A outra é que, além disso, temos um excesso de habitantes. Uma cidade que foi pensada para ter dois milhões de habitantes não pode ter doze. E além destes, entram mais três, quatro todos os dias. Sabendo disso, por que não planejamos melhor? ”, questiona Laurenza.