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No meu caminho tem um degrau

Nasci na rua mais íngreme do bairro de Santana, a ladeira do colégio Santana. Aos seis meses adquiri poliomielite devido a um surto da doença que agora já está erradicada… acabei de denunciar a minha idade!!!! Cresci neste bairro e como toda adolescente tinha amigos, vizinhos e colegas de escola e era nosso costume subir e descer as ladeiras, sempre alguém empurrando a minha cadeira de rodas, hora para ir a uma galeria, que era ponto de encontro, hora para ir a um bailinho de garagem na parte superior da rua. Tudo era festa, bastava um amigo ou amiga me empurrar, ladeira abaixo ou ladeira acima. Claro precisava de ajuda, mas de apenas uma pessoa…

Anos depois, agora morando Pinheiros passei pela rua onde nasci e levei o maior susto! Percebi que as calçadas que fizeram parte da minha história se transformaram em locais totalmente inacessíveis… ora por degraus, criados para que veículos entrassem nos lotes, ora por estarem com inclinação transversal acentuada… assim como acontece na maior parte das calçadas!!!
Queremos tanto que as cidades se transformem em locais mais humanizados, que deixemos os veículos em casa, passando a usar transporte público e caminhar, porque fazemos isto com as nossas calçadas?

Acredito que muito deste equivoco é porque cada proprietário tem que cuidar da frente do seu lote, e acaba tomando posse da calçada como se ela fosse uma extensão de sua casa ou garagem. Hoje as leis federais e municipais já estão aos poucos mudando esta situação, criando rotas acessíveis e a prefeitura fazendo as calçadas. Boas experiências não nos faltam a exemplo as intervenções na Rua Oscar Freire, uma das primeiras experiências de participação “público privado” que alargou os passeios das esquinas, criou rebaixamentos nas travessias com pisos táteis de alerta, e principalmente embutindo a fiação que além de tirar os empecilhos como postes, riscos de quedas de fiação, deixando a paisagem menos poluída visualmente.

Da maneira que as cidades vêm deixando seus passeios ditos “públicos”, acabam restringindo a circulação de quem não é atleta de corrida de obstáculos e as pessoas tem que caminhar no leito carroçável, até com carrinhos de bebê!

Aquela adolescente que curtiu sua meninice nas ruas de Santana, bem como a maioria de seus amigos cinquentões já não poderia subir e descer as ladeiras, pois tem degraus no caminho… no caminho tem degraus!

Silvana Cambiaghi, é arquiteta e usa cadeira de rodas.