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Um prefeito para a Vila Madalena

A Vila Madalena é que leva a fama, mas ninguém pode negar que o espírito boêmio desponta já na rua dos Pinheiros, contagiando toda esta freguesia.

Por aqui não só os bares e as casas noturnas, mas também os restaurantes, padarias, cafés, cinema e até as sorveterias perfumam as ruas com os vapores líricos e não convencionais que são a primeira característica da boemia, sempre disposta à flanar pela música e outras formas de arte, sempre aberta a descobrir uma amizade na próxima esquina.

Na música do Paulo Vanzolini está a melhor definição do que é boemia: viver liricamente. A senhora que cultiva flores na janela é boêmia. O poeta que distribui versos a quem passa é boêmio. É boêmio o lugar, sorveteria, restaurante, bar, que enfeita suas mesas e paredes de maneira própria. O motorista que para o carro, acena e sorri para o pedestre passar também é. Boemia é negar o convencional. Contudo, reconheço que o senso comum associa a boemia à vida noturna e é sobre ela que eu venho falar. Como um lugar pode aproveitar ao máximo a vocação para a vida noturna? Primeiro, talvez, reconhecendo suas virtudes.
Ter gente passeando pelas ruas durante a noite aumenta a sensação de segurança, atrai turistas, colabora com a criação de empregos, enfeita e ilumina a cidade. E é necessário reconhecer ônus. Muitas das vezes a vida noturna tira o sossego dos moradores com ruídos excessivos, brigas e outros distúrbios. A pergunta que fica é como equilibrar a vida que segue sob os raios do sol e o brilho da lua. Pensando nisso algumas cidades como Paris e Amsterdã, com vocação semelhante a da Vila Madalena, criaram o cargo de prefeito da noite.
É uma figura que assume a cidade todo dia (ou toda noite) quando o prefeito convencional vai descansar. O prefeito da noite não tem o poder do prefeito normal. Ele funciona como um mediador de conflitos e busca soluções de conciliação, como por exemplo uma escala de horários de fechamento dos bares que visa diluir o êxodo dos clientes pelas ruas. Obviamente só nos serve como exemplo, porque são culturas e mesmo proporções diferentes. Mas ao país que inventou e espalhou pelo mundo a Bossa Nova, praticamente sussurrada para não incomodar os vizinhos dos apartamentos de Copacabana, não há de faltar criatividade para ter suas próprias soluções.

Meu palpite é pelo resgate do sentido original e mais profundo da boemia. O espírito cordial, sereno, amigo e lírico, materializado em ações práticas e eficazes. Porque amanhã a luta continua.

 

Leo Coutinho, escritor e jornalista, nasceu em São Paulo. É membro do Conselho Participativo Municipal da Subprefeitura de Pinheiros.