O e-mail já alcançou status de “vida real”, deixando o “plano virtual” para as redes sociais.

Ainda tem a voz rouca das ruas

Entre o virtual e real,  já não é possível separar as coisas. Leia aqui a crônica de Leo Coutinho.

Não falta quem ainda separe o mundo em virtual e real. Isto é, há quem acredite que o que acontece via internet, notadamente nas mídias sociais, está num plano diferente da vida que acontece nas ruas, nas praças, velórios e botequins. Obrigado, Nelson. Isso não é novo. A carta já foi considerada mais verdadeira do que o telefonema. E o próprio telefonema, não faz tempo, era mais solene do que um e-mail. Mais recentemente, apesar de seguir via internet, o e-mail já alcançou status de “vida real”, deixando o “plano virtual” para as redes sociais.

Eu não consigo separar as coisas. Para mim a vida é uma só. Acredito em amores platônicos, tenho amigos que não conheço, me lembro de histórias que não presenciei. Sei exatamente como foi o dia em que meu pai conheceu o pai da minha mãe, num café em Copacabana – que já não existia quando eu nasci. Então por que eu haveria de diminuir o momento em que ouço um samba postado por um contato do Facebook, curtido e comentado por tantos amigos? Tempo, espaço? Não acredito.

Ando pelas ruas e vejo gente adotando praças, canteiros e escadarias da cidade. Depois reconheço na internet as meninas responsáveis pelas hortas comunitárias que brotam em barris. Colho um galho de alecrim e envio uma mensagem inbox para regar. Sigo o cara que plantou árvores no Largo da Batata. Posto uma foto do banco com encosto que encontrei pelo caminho. Tudo compartilhado.

Mas quem, quando, onde começa tudo isso? Por exemplo, foi por tanto reclamar nas redes que as pessoas foram às ruas protestar ou, antes, elas foram protestar e depois levaram suas impressões para as redes? Digo os motivos da insatisfação: são reais ou virtuais?

Meu palpite é que existe a tal voz rouca das ruas e ela não tem e nunca teve preconceito de meio. Nem de fim. Corre, com mais ou menos força, dependendo da energia coletiva. Do anjo Gabriel, passando Martinho Lutero, lembrando o Tiradentes, chamando Graham Bell e chegando ao Zuckerberg, nós somos a voz rouca das ruas. Somos mensagem e meio.

Nota: Vida longa ao jornal A Cidade de São Paulo, jornal de bairro e para o bairro. Se os bairros são as pessoas, a voz do bairro é o “Cidadão”.

 

Leo Coutinho, escritor e jornalista, nasceu em São Paulo em 17 de junho de 1978. É membro do Conselho Participativo Municipal na subprefeitura de Pinheiros.